Aquele
vestido vermelho. Longo. Ela em frente ao espelho. Cada detalhe de seus cabelos
ruivos, de suas jóias, de seus cetins. Ele aparece também. Os dois se abraçam e
dançam dançam dançam deslizam uma elegante melancolia. As vozes em off narrando
o que eles não podem dizer. As vozes em off
revelando tudo. Três vozes suaves e curiosas. Uma delas segura de si,
segura de tudo, a voz da criadora.
Ela é linda e triste. Ela é rica e
desolada. Ela não sente mais nada. O coração amortecido. Ele é seu amante. Ela
tem muitos amantes. No palácio estão todos eles. Convidados seus e de seu
marido. Ela abriga todos eles. O salão é imenso. Vazio.
Apenas um homem no mundo não
consegue seu amor. Ele a deseja tanto. Ele sente-se injustiçado, desprezado,
traído. Ele grita cada vez mais alto. Ele grita o verdadeiro nome dela: Ana
Maria Guardi. Ela ri enquanto abraça um dos homens elegantes do salão e espera
que o abandonado seja jogado na rua. Ainda ouve seus gritos por muito tempo.
Gritos cortantes e desesperados. Aquela voz que a faz lembrar do terrível medo
da loucura. Aquele medo que a persegue desde a infância.
Ouve-se o piano a todo momento.
Ouve-se aquela melodia lenta, rastejante, líquida, impregnada de suor,
transpassada por um desejo quase doentio. Por um calor incontrolável. Por uma
tristeza desconhecida. Por uma ânsia de vida e um sonho de morte. A explosão
musical de ser mulher e ser inteira. É India Song. O que toca é India Song. O
que permeia o vestido vermelho, a dança, o gozo, a saudade longínqua é India
Song. A voz rouca e poderosa da cineasta escritora mulher onipresente clama por
India Song.