Ela é engraçada. Está sentada na
cama de novo, de costas para tudo e olhando pela janela. O andar não é muito
alto, mas a vista dá para o viaduto onde passam os carros e onde moram as
pessoas que fumam crack. E também há aquela torre que fica mudando de cor. Eu gosto
de ver a torre. O que será que ela vê lá fora? Ela já comentou sobre o céu
mudando de cor e sobre como não enxerga as pessoas ali embaixo quando está sem
óculos. Mas ela fica tanto tempo ali olhando. Não sei se é isso que lhe interessa.
Ela se interessa pelo que está lá fora. Ela olha bem longe e em silêncio. Ela pode
ficar horas em silêncio se eu a deixar ali imóvel. Se eu não entrar no quarto e
fazê-la se virar e voltar para mim. Ela fica em silêncio tantas vezes. O tempo
todo eu lhe pergunto sobre seus pensamentos. Ela nem sempre responde. Ela se
esquiva muitas vezes. Ela parece querer ir embora, mas eu a faço ficar muito
facilmente.
Eu lhe pergunto se ela está mesmo
feliz aqui hoje. Ela diz que sim. Ela parece um tanto sem rumo ao mesmo tempo
em que parece muito decidida e demonstra certa teimosia. Eu falo sobre como
acho linda sua pele branca e como me atrai sua delicadeza. Ela parece
agradecida, mas não muito feliz. Ela parece querer ouvir mais coisas a seu
respeito. Coisas que não consigo adivinhar quais são. Quando lhe falo sobre
como esteve mal-humorada de manhã ela se defende e parece querer me matar. Chora
muito e quer ir embora. Pega suas roupas no chão. Eu a abraço e ela fica. Não parece
muito feliz.
Ela espera a noite chegar. Ela diz
que nem deveria ter vindo. Ela diz que não se arrepende de ter vindo, mas que
já passou da hora de ir embora. Eu peço para que passe a noite comigo. Ela quer,
mas não vai ficar. Eu digo que ela tem medo. Digo isto muitas vezes. Vez ou
outra ela ri, vez ou outra ela se explica e discorda. Discorda muitas vezes
sobre tudo que digo a seu respeito. Não sei bem porque ficamos juntos. Ela diz
que acha linda a minha boca. Eu a levo até a porta e a abraço. Em frente ao
elevador ela espera olhando para mim. Parece aquele olhar através da janela. Não
sei se olha para mim ou para o quadro na parede atrás de mim ou para a
lembrança do quarto ou para o que quer que seja que observava, sentada na cama,
de costas para tudo.
Ela não parece muito feliz.
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